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O lúdico é a estética queer de Rotting In The Sun
Rotting in the sun conta a história de um artista em crise existencial. O arco do protagonista é descendente. Sua derrocada aumenta a cada virada de ato. Cada dificuldade é um motivo a mais para a insignificância da própria existência. Suas telas recém-pintadas foram arruinadas pela empregada da casa na qual mora. A HBO, para quem trabalha, se interessa mais por um projeto de um influenciador de Instagram do que por suas ideias. Seu remédio para a falta de sentido do mundo são as altas doses de Ketamina e a leitura de filosofia suicida. Quando o narcótico deixa de suprir prazer suficiente ele entra em uma rota de busca pelo método mais eficaz para dar cabo de si. Esta é, a grosso modo, a proposta inicial do filme.
Sebastián Silva brinca com sua própria imagem na construção do protagonista ao interpretá-lo na frente da câmera e dar-lhe seu nome. A brincadeira consigo e o arco de ruína aumentam quando ele resolve visitar uma praia de nudismo onde homens fazem pegação em público. É ali que conhece Jordan Firstman, um influenciador digital que também empresta ao personagem seu próprio nome e suas atividades laborais da vida real. O influenciador convida Silva para dirigir seu próximo trabalho. Mas a ideia não o agrada, Jordan é promíscuo demais, espalhafatoso demais, fútil demais. Mas o diretor acaba se convencendo a trabalhar com Silva. E com esse movimento outra personagem cresce na história e acelera seu o arco de ruína.
Em uma primeira parte o filme narra a crise de Silva, o sexo pulsante na tela, a diferença entre seu personagem na beira do precipício e o coadjuvante intensamente hedonista. Se o diretor perdeu o prazer na vida e só vê saída na morte, o influenciador vive como um discípulo de Aristipo de Cirene. O sentido da vida de Firstman está no sexo e no narcisismo potencializado pelas mídias digitais. Para um a morte é a salvação. Para o outro os prazeres carnais é um fim em si mesmo e para isso quanto mais vida, melhor.
A outra parte é sobre Señora Vero, a empregada da casa de Silva. A empregada parece ser o obstáculo no caminho do diretor e do influenciador, uma antagonista. A chilena Catalina Saavedra é quem a interpreta. A personagem é parecida com uma criada problemática de outro filme do diretor, La nana (2009). Ela é invisível na casa durante toda a primeira parte e seus dramas não interessa aos patrões. Mas a segunda parte do roteiro gira todo em torno de suas ações. Essa guinada borra fronteiras entre antagonista e protagonista. Não é fácil definir a personagem a partir do segundo ato. Ela ganha centralidade na história e mais tempo de tela, ocupa o papel de protagonista e define o destino dos outros personagens.
Rotting In The Sun no primeiro e segundo ato parece uma mistura de O estranho no lago (2013) com A criada (2009). Há uma praia nudista com abundantes cenas de sexo explícito em uma cena e outra cena desenhando os traços de uma empregada atrapalhada. Corpos masculinos são enquadrados sem qualquer pudor em uma cena e em outra investiga-se uma morte. São duas formas distintas que se mesclam com maior cimento no ato final, quando o desfecho ganha em singularidade e muda o tom do filme de um drama existencial para um suspense policial.
Em linhas gerais, trata-se de um drama de humor ácido. Sebastián Silva em entrevista para a Mubi disse que o filme é como "uma comédia misantropa, uma carta cheia de ódio à humanidade, mas com humor". E à guisa de advertência diz que o filme não busca ser uma representação do mundo gay. É apenas uma história de alguns homens específicos e seus comportamentos hedonistas, narcisistas, misantrópicos. Considerar o aviso na hora de assisti-lo é uma tarefa do espectador. As piadas com entorpecentes, suicídio, morte e sexo, talvez soem inapropriadas para alguns. Mas o lúdico do drama é a sua estética queer, subversiva e incômoda, por excelência.
21/09/2023
Estranha Forma de Vida: o passeio de Almodóvar pelo faroeste
17/09/2023
O sacrifício do Pai em Carvão (2022), de Carolina Markovicz
Eduardo Barbosa ▪ 17 set 2023
A proposta que muda a vida da família se
ergue sobre o sacrifício do homem mais velho da casa, o pai de Irene. Enquanto
ele vegeta doente em uma cama de beliche, Irene administra a carvoaria e a
miséria da casa e o marido dorme aqui e ali. O título do filme faz alusão
àquilo que garante a sobrevivência dos quatro, mas é também um símbolo de
destino de um homem que já não contribui mais para a manutenção do orçamento
familiar. No ato de virar carvão o pai se transmuta em dinheiro. O forno da
carvoaria, antes gerador de parcos recursos financeiros, torna-se o alívio da
casa enquanto expele a fumaça do pai pelas chaminés. A prosperidade chega à
galope. O marido compra motocicleta. O filho ganha celular.
Irene não se pune com a cegueira, como acontece
com Édipo no mito grego. Mas precisa, simbolicamente, cegar os vizinhos para
que não conheçam o destino do pai. Desconfiar e ser objeto de desconfiança é
seu castigo.
O trabalho de interpretação de Maeve
Jinkings é a joia do filme, fazendo vívidas as tensões e aflições da
personagem. Não menos primorosa é a interpretação do ator mirim que dá vida ao
seu filho, um personagem de falas incisivas e certeiras. O filme não se
preocupa em dar cabo das questões paralelas surgidas no tecer da história central,
ficam em aberto, mas a morte do pai exige outra vida em troca para fechar o
roteiro. E ela acontece.
Carvão é um filme para o espectador
refletir sobre os alicerces da família tradicional. Aqui ele se erige sobre
segredos e mentiras.
Elenco principal: Maeve Jinkings, César Bordón, Jean Costa, Camila Márdila, Romulo Braga, Pedro Wagner e Aline Marta.