01/04/2024

Matador de Aluguel: o impulso de raiva em um messias crossfítico

Matador de Aluguel (2024) é a releitura de um clássico, Road House (1989), que apostava no carisma de Patrick Swayze para liderar o elenco de um filme com a cara do cinema de ação dos anos oitenta recheado de artes marciais, lutas coreografadas e muita música. Nesta nova versão, o roteiro, a direção e o elenco fazem piada com esse espírito dos anos oitenta. A trama original é motivo de galhofa, a construção do grande macho não. Os marcadores de uma masculinidade ideal estão tão definidos quanto os músculos inflados de Jake Gyllenhaal, novo intérprete de Elwood Dalton nesta reescrita.

Eduardo Barbosa ▪ 01 abr 2024


Elwood Dalton é um ex-lutador de UFC famoso por sua invencibilidade. Vive de uma ou outra luta. Até receber um convite para ganhar um bom salário trabalhando como segurança em um bar na paradisíaca Florida Keys. O trabalho parece simples. Mas a cidadezinha é dominada por um clã de homens violentos a desejar lucro sob qualquer custo. O principal empecilho para seus empreendimentos deslancharem é o bar para o qual Dalton foi contratado. Logo o ex-lutador se vê às voltas com um problema muito maior do que os baderneiros noturnos de Road House. A carência de um ambiente pacífico não paira somente sobre o estabelecimento de Frankie (Jessica Williams), mas sobre toda a cidade.

A produção executiva do filme é assinada por Joel Silver. Em seu currículo há títulos como A Casa de Cera (2005), V de Vingança (2005), Matrix (1999), Máquina Mortífera (1998), Duro de Matar (1988, 1990, 1992) e Comando (1985). São filmes nos quais o uso da violência é a ferramenta mais importante dos personagens principais. Não é diferente na versão de 2024 de Matador de Aluguel. O protagonista só tem uma arma contra as atrocidades do vilão, suas habilidades de lutador e seu impulso de violência. Então, a história é recheada com cenas e mais cenas sangrentas e muita pancadaria.

Na versão de 1989 o personagem principal carecia de uma lapidação melhor. Pouco se sabe porque era tão famoso na cidade para a qual viajou a trabalho. Mas a hesitação em utilizar a violência na resolução de conflitos tinha uma fundamentação, embora rasa. Ele era um tipo intelectualizado. Praticava Tai Chi durante o dia. Lia romances do Jim Harrelson a noite. Gostava de dialogar para evitar encrencas. O roteiro de 2024 tenta aparar arestas e cortar pontas soltas. Dalton não lê Jim Harrelson. Nem faz Tai Chi. Só malha e dorme. Sua hesitação em descer o braço em adversários vem da própria consciência da letalidade de seus golpes e de uma incontrolável pulsão de violência. Lapidado, perdeu camadas, é facilmente compreendido, mas ficou ainda mais raso. 

Jake Gyllenhaal, na medida do possível, faz um bom trabalho com Dalton, fazendo-o oscilar entre o zombeteiro, o durão e o simpático. Mas o personagem, a partir das mudanças para a refilmagem, não atinge o grau de carisma criado por Patrick Swayze no original.  Sua personalidade foi alterada com a alteração de seus hábitos. As cenas de violência foram anabolizadas com a inserção de um capanga sociopata com cara de vilão de filmes de super-heróis. A tônica do filme está em socos e perseguições por vias terrestres e marítimas. A nova ambientação do bar em uma praia permitiu adicionar sequências frenéticas com barcos e doses adicionais de violência. Tudo isso é polvilhado por uma boa trilha sonora, fartamente diegética, a continuar tão saborosa quanto aquela do filme de 1989.

A estrutura de faroeste da trama permanece igual. O mocinho forasteiro luta até as últimas consequências contra os opressores da cidade. O roteiro faz piadas com essa estrutura inserindo diálogos divertidos entre Dalton e a moça livreira da cidade, Charlie (Hannah Love Lanier). Mas evita rir da estética masculina nascida a partir do cinema de ação com atores fisiculturistas. Jake Gyllenhaal precisou de uma dieta nutricional específica para crescimento muscular. Como se essa carne crossfítica fosse fundamental para o ideal de um masculino salvador. O grande Macho. O novo Cristo precisa tomar whey protein. Já as cenas com nudez vistas no original desapareceram. O filme carrega a mão na violência física sangrenta e poupa o espectador da abundância de corpos nus. Evidencia certo regramento moral da atualidade. Toleramos litros de sangue e ossos partidos, mas não corpos sem roupas. A pele nua é ofensiva.

Esses novos corpos dos personagens centrais de Matador de Aluguel são excessivamente musculosos, como se essa nova masculinidade precisasse ser expressa através de seus músculos protuberantes e seus socos potentes. As dunas de carne a despontar sob a pele é o novo símbolo fálico do macho creatínico. Força e pulsão de raiva são as grandes expressões do corpo crossfítico. Afeto e dor não fazem parte de sua gramática. Dalton e seu antagonista sociopata personificam o mito de um homem durão, resistente à dor, e portanto, impossibilitado de chorar e demonstrar afeto. Eis sua linguagem essencial, raiva, pulsão de ódio, instinto. O final à la Shane (1953) de George Stevens, entre o ex-lutador e a mulher pela qual se apaixona evidencia de forma clara a interdição das expressões de afeto. São os instintos que regem Dalton, não o coração. No filme de 1989, com um Patrick Swaize descamisado e esguio, os elementos masculinizantes desse ideal de homem eram menos pronunciados e o protagonista sofria por amor. O novo masculino precisa de corpos inscritos de ferocidade em homens sanguíneos a reprimir emoções. O impulso à violência despontando do interior surge às vistas da pele inflada sob a qual os  músculos explicitam o nascimento da brutalidade.

Matador de Aluguel se faz de entretenimento para quem deseja passar o tempo se divertindo com brigas de bar, pancadaria coreografada, boa música e um ideal estético-comportamental masculino ultrapassado vigente no século atual.




Matador De Aluguel

Título Original: Road House
Ano: 2024
Duração:  2h 1min.
Direção: Doug Liman
Roteiro: Charles Mondry, Anthony Bagarozzi
Elenco principal: Jake Gyllenhaal, Billy Magnussen, Connor McGregor, Daniela Melchior, Hannah Love Lanier e Jessica Williams
Origem: Estados Unidos