Alice esterilizou a espécie para controlar sua propagação. A planta não produz sementes e nem mudas. Só pode ser reproduzida em laboratório. Little Joe divide o ambiente da estufa com outra planta e na relação entre elas começam a surgir os primeiros problemas. O pólen expelido por Little Joe extermina todas as outras plantas de outras espécies da estufa. O dócil cão acompanhante de uma outra cientista do laboratório desenvolve um comportamento agressivo ao ficar preso na estufa e, transformado, precisa ser sacrificado. Alice é alertada sobre a periculosidade de sua criação. Little Joe está infectando hospedeiros para burlar sua incapacidade de propagação. Ela reluta em acreditar. Mas alguns sinais no comportamento de seu filho começam a parecer estranhos após ele conviver com um exemplar de Little Joe que ela lhe deu de presente.
O roteiro escrito a dois pela diretora Jessica Hausner e por Géraldine Bajard aposta em um ritmo lento. A história se desenvolve tal como uma planta. Cresce aos poucos e sem grandes pontos de virada. É como um Alien (1989) de Ridley Scott a substituir o antagonista animal por um vegetal. Mas Little Joe não precisa ser letal para se reproduzir como no filme de Scott. Só precisa ser indispensável aos humanos. A beleza e o aroma de sua flor carmesim são iscas atrativas para sua atuação no cérebro dentro do qual estimula a produção de hormônios indutores de bem-estar e felicidade.
O longa-metragem de Hausner possibilita interpretações variadas. Mas uma delas se sobressai. É sobre o desejo das plantas. Quem pode afirmar definitivamente que as plantas não têm agência? A mimese da Boquila Trifoliolata é só uma questão de adaptação ou é a planta pensando nas possibilidades de benefício com a emulação de características de outras plantas sobre as quais cresce? As cores vibrantes e o aroma e o sabor das frutas são apenas atrativos para os bichos carregarem suas sementes para longe? E se o desejo da laranjeira se realizar na monocultura de laranja? Se a propagação é o desejo da planta, uma centena de hectares nos quais apenas ela reina deve ser o seu paraíso. No entanto, o amplo domínio territorial de uma única espécie nem sempre é benéfico para outras espécies. É exatamente a partir desse desejo que Little Joe age. A laranjeira não precisa buscar por um paraíso monocultural porque tem capacidade de se propagar sem ajuda humana. É o desejo humano de lucro que transforma laranjeiras em monoculturas. Little Joe só pode viver pela mão dos humanos. Sua esterilidade a faz desejar e perseguir seu paraíso, uma monocultura de flores da felicidade. E um mundo povoado de infelizes no qual ela é um remédio eficaz garante sua sobrevivência.
Parece uma boa história de ficção a discutir a inteligência e a racionalidade vegetal para engrossar as discussões propostas em A Revolução das Plantas, do botânico italiano Stefano Mancuso. Mas em sub-camadas expressa um temor sobre esse vivente capaz de perseguir a realização de seus desejos de espécie a escapar do controle humano. É uma alteridade ameaçadora. Uma criação a se insurgir contra o criador como aquelas máquinas destrutivas de O Exterminador do Futuro (1984) e suas sequências. O indomável é o terror do humano. Nossa espécie se estrutura enquanto sujeito a partir do controle de tudo aquilo a lhe parecer selvagem, como os próprios instintos e o mundo natural com todos os seus elementos. Esse controle lhe permite subjugar, explorar, transformar em "recursos naturais" e mercadorias isso que se chama convencionalmente de 'natureza'. Contudo, humanidade e natureza não fazem parte de universos distintos, são uma coisa só. E quando o homem cria a ideia de natureza para destruí-la está destruindo a si mesmo. Little Joe encontra nessa pulsão de morte com seu angustiante mal-estar o caminho certeiro para uma domesticação psicotrópica dos humanos. O instante final do longa-metragem convida-nos a avaliar a capacidade de manipulação desse vegetal de desejos incontroláveis.
___________________________