06/10/2023

O lúdico é a estética queer de Rotting In The Sun


Eduardo Barbosa ▪ 06 out 2023


Rotting in the sun conta a história de um artista em crise existencial. O arco do protagonista é descendente. Sua derrocada aumenta a cada virada de ato. Cada dificuldade é um motivo a mais para a insignificância da própria existência. Suas telas recém-pintadas foram arruinadas pela empregada da casa na qual mora. A HBO, para quem trabalha, se interessa mais por um projeto de um influenciador de Instagram do que por suas ideias. Seu remédio para a falta de sentido do mundo são as altas doses de Ketamina e a leitura de filosofia suicida. Quando o narcótico deixa de suprir prazer suficiente ele entra em uma rota de busca pelo método mais eficaz para dar cabo de si. Esta é, a grosso modo, a proposta inicial do filme.

Sebastián Silva brinca com sua própria imagem na construção do protagonista ao interpretá-lo na frente da câmera e dar-lhe seu nome. A brincadeira consigo e o arco de ruína aumentam quando ele resolve visitar uma praia de nudismo onde homens fazem pegação em público. É ali que conhece Jordan Firstman, um influenciador digital que também empresta ao personagem seu próprio nome e suas atividades laborais da vida real. O influenciador convida Silva para dirigir seu próximo trabalho. Mas a ideia não o agrada, Jordan é promíscuo demais, espalhafatoso demais, fútil demais. Mas o diretor acaba se convencendo a trabalhar com Silva. E com esse movimento outra personagem cresce na história e acelera seu o arco de ruína.

Em uma primeira parte o filme narra a crise de Silva, o sexo pulsante na tela, a diferença entre seu personagem na beira do precipício e o coadjuvante intensamente hedonista. Se o diretor perdeu o prazer na vida e só vê saída na morte, o influenciador vive como um discípulo de Aristipo de Cirene. O sentido da vida de Firstman está no sexo e no narcisismo potencializado pelas mídias digitais.  Para um a morte é a salvação. Para o outro os prazeres carnais é um fim em si mesmo e para isso quanto mais vida, melhor.

A outra parte é sobre Señora Vero, a empregada da casa de Silva. A empregada parece ser o obstáculo no caminho do diretor e do influenciador, uma antagonista. A chilena Catalina Saavedra é quem a interpreta. A personagem é parecida com uma criada problemática de outro filme do diretor, La nana (2009). Ela é invisível na casa durante toda a primeira parte e seus dramas não interessa aos patrões. Mas a segunda parte do roteiro gira todo em torno de suas ações. Essa guinada borra fronteiras entre antagonista e protagonista. Não é fácil definir a personagem a partir do segundo ato. Ela ganha centralidade na história e mais tempo de tela, ocupa o papel de protagonista e define o destino dos outros personagens.

Rotting In The Sun no primeiro e segundo ato parece uma mistura de O estranho no lago (2013) com A criada (2009). Há uma praia nudista com abundantes cenas de sexo explícito em uma cena e outra cena desenhando os traços de uma empregada atrapalhada. Corpos masculinos são enquadrados sem qualquer pudor em uma cena e em outra investiga-se uma morte. São duas formas distintas que se mesclam com maior cimento no ato final, quando o desfecho ganha em singularidade e muda o tom do filme de um drama existencial para um suspense policial.

Em linhas gerais, trata-se de um drama de humor ácido. Sebastián Silva em entrevista para a Mubi disse que o filme é como "uma comédia misantropa, uma carta cheia de ódio à humanidade,  mas com humor". E à guisa de advertência diz que o filme não busca ser uma representação do mundo gay. É apenas uma história de alguns homens específicos e seus comportamentos hedonistas, narcisistas, misantrópicos.  Considerar o aviso  na hora de assisti-lo é uma tarefa do espectador. As piadas com entorpecentes, suicídio, morte e sexo, talvez soem inapropriadas para alguns. Mas o lúdico do drama é a sua estética queer, subversiva e incômoda, por excelência.



Rotting In The Sun

Ano: 2023
Duração: 1h 51min
Direção e roteiro: Sebastián Silva
Elenco principal: Sebastián Silva, Jordan Firstman, Catalina Saavedra, Juan Andrés Silva e Pedro Peirano
Origem: EUA, México