Este é o primeiro longa-metragem em língua inglesa realizado por Pedro Almodóvar. O elenco principal conta com duas veteranas do cinema hollywoodiano, Julianne Moore e Tilda Swinton. A construção de suas personagens faz ruir definições rígidas de protagonista e coadjuvante neste drama sobre a reivindicação do manejo da própria morte. É uma história sobre morte assistida e sobre as consequências legais desse ato para auxiliares.
A trama conta o reencontro de Ingrid (Julianne Moore), uma escritora de sucesso, com sua amiga Martha (Tilda Swinton), uma jornalista correspondente de guerra. Uma escreve livros sobre os benefícios da longevidade humana; a outra narra relatos de destruição e morte. Uma recorre à criação fictícia para atingir o efeito ideal em seus textos; a outra se atêm aos fatos. Elas têm formas opostas de encarar e retratar o mundo a sua volta. Tal desenho de personagens é suficiente para garantir a solidez da base do conflito a se desenvolver entre as duas.
Martha está com um câncer terminal. Ingrid começa a visitá-la frequentemente. A doença as reaproxima. Quando nenhum tratamento lhe oferece chances mínimas de sobreviver, a jornalista decide fazer o manejo da própria morte. Isto é, resolve tomar uma pílula para conduzir um processo rápido de finalização da sua vida ao invés de deixar a doença o fazê-lo a conta gotas.
Ela está decidida. Mas precisa de auxílio. Necessita de uma companhia para ficar em um quarto ao lado do seu quando a derradeira hora chegar. Essa presença lhe garantiria maior segurança para tomar a pílula. Caso as coisas fujam do esperado, haverá ajuda. No entanto, ninguém de seu círculo de amigas aceitam o convite. Então, só resta a Martha recorrer àquela a acompanhar seu sofrimento durante os últimos meses, Ingrid.
A escritora entra em um dilema. Ela é uma entusiasta pública do prolongamento da vida. Como poderia ser conivente e auxiliar um processo de morte assistida? Por outro lado, seria justo prolongar uma vida em um corpo corroído por uma doença sobre a qual não há qualquer chance de controle? Ingrid precisa escolher um caminho. Agirá conforme suas convicções e beneficiará a lenta degradação do corpo de sua amiga? Ou renuncia a seus ideais e lhe ajuda na interrupção definitiva do sofrimento de Martha?
O filme aposta na complexidade emocional das personagens e as aproxima do espectador com uma profusão de enquadramentos de rostos e diálogos expositivos. Essas técnicas criam um ambiente no qual é possível sentir empatia por Martha e Ingrid.
Almodóvar embala visualmente essa história com sua paleta tradicional de cores vivas. Mas dessa vez o colorido dramático emerge com a máxima opulência no figurino e em pontos específicos da direção de arte. Martha e Ingrid vestem-se com peças a alternar tons abertos e fechados. Os vermelhos, verdes e azuis, abarrotam um guarda-roupas multicolorido a compor-se de vibração e sobriedade. Vez em quando há um amarelo solar pontuando a esperança de conforto na morte. Os sofás se poltronas, espreguiçadeiras, vasos, balcão de cozinha, luminárias, flores, e uma porta específica do cenário, seguem a mesma paleta de cores.
A mise-en-scène, dispondo as atrizes nesses cenários pontuados por objetos dos quais os olhos não são capazes de se desviar, parece ter como referência as obras de Edward Hooper. Há muitas cenas a lembrar alguns dos quadros do artista norte-americano. Como Automat (1927), Chop Suey (1929), Room in Brooklin (1932), Hotel Room (1939), e Morning sun(1952). Uma fonte estética adequada para uma história ambientada em uma cidade dos Estados Unidos.
Embora estejam cercadas pela alegria dos objetos cênicos coloridos, solidão e desamparo transbordam das figuras femininas nas telas de Hooper. A jornalista de Almodóvar é uma dessas mulheres, mas em quadros em movimento. O resultado é um filme esteticamente vistoso, bonito na tela. A cena de Martha em uma espreguiçadeira verde, vestida com um casaco amarelo, com um batom vermelho nos lábios, não poderia ser mais hooperiana e, ao mesmo tempo, tipicamente almodovariana.
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