Eduardo Barbosa ▪ 17 jan 2024
Um dia, enquanto semeia os sulcos do solo em uma lua distante com outra agricultora, Kora, uma forasteira, avista uma nave de guerra surgindo no céu da aldeia. São os homens do Mundo-Mãe. Todos ficam em alerta. Os recém-chegados querem a produção agrícola do local para alimentar os seus soldados. A resistência do líder da comunidade logo é vencida com sua morte. Aos amedrontados lavradores só resta obedecer e se resignar com a exploração que poderia levar ao esgotamento de suas terras cultiváveis. Enquanto alguns moradores tentam organizar um jeito de se livrar dos opressores, Kora decide ir embora dali. Mas ao sair de casa se depara com uma jovem sendo abusada pelos soldados. Ela ajuda a moça e sua interferência provoca um incidente no qual toda a aldeia é comprometida. Ficam livres dos primeiros intrusos. Mas logo chegarão outros. A única saída é organizar uma defesa para proteger a aldeia. No entanto, para montar uma resistência seria preciso recrutar especialistas em combate. Por ali todos são apenas agricultores. Kora e seu vizinho Gunnar partem com um orçamento baixíssimo em busca dos melhores rebeldes para defender seu povo da opressão do Regente.
Para quem já assistiu aos filmes de Akira Kurosawa é fácil perceber as semelhanças entre a história de Zack Snyder e Os Sete Samurais (1954). Na obra de Kurosawa um bando de ladrões saqueiam regularmente um aldeia de camponeses. Até que eles decidem contratar um samurai para protegê-los dos ataques. A única forma de pagamento é o escasso alimento produzido pelos aldeões. Para fazer o trabalho o samurai decide recrutar mais homens para o trabalho e ele consegue montar uma equipe de sete homens contra um violento grupo de quarenta bandidos.
Na década seguinte John Sturges refilmou a história no faroeste hollywoodiano Sete Homens e um Destino (1960). A adaptação ocidental do conto dos sete mocinhos contra quarenta ladrões trocou os samurais por pistoleiros e caçadores de recompensas e manteve a ideia original. No roteiro de Sturges uma cidadezinha do Oeste dos Estados Unidos é saqueada regularmente por bandoleiros mexicanos liderados pelo chefe Calvera até que os moradores contratam um pistoleiro desempregado para protegê-los dos ataques. Chris Adams, interpretado por Yul Brynner, o caubói androide de Wesworld (1972), parte em busca de outros homens para formar uma equipe contra os bandoleiros. Como o valor do pagamento pelo trabalho é quase irrisório Chris precisa utilizar seus ideais para convencer seus recrutas a ingressarem num plano heróico e suicida. Os dois filmes não são sobre heróis vencendo as forças antagonistas e coroados com finais felizes. São homens às margens da lei sacrificando a própria vida pela liberdade de um grupo oprimido.
Uma das referências de George Lucas para criar Star Wars é o filme de Kurosawa. Snyder volta na mesma fonte para tentar construir sua própria versão de um história intergalática de mocinhos azarados. E enquanto Lucas utiliza o tema mais geral de Kurosawa e se distancia das minúcias do conto japonês, Snyder estreita laços com a referência. Mas perder a mão em releituras dessa história de opressão e desejo de liberdade não é incomum. Foi o caso da versão de 2016 de Antoine Fucqua. Com um orçamento de 108 milhões de dólares o remake arrecadou apenas cerca de 160 milhões. Enquanto o original de Sturges custou 2 milhões e arrecadou quase 10 milhões de dólares.
A estrutura da história de Snyder está nas duas obras pré-Lucas. As últimas cenas do ato final escancaram essas referências ao mostrar a equipe de resistência chegando na aldeia com uma formação de sete rebeldes, como estampado em um dos cartazes do filme. Mas ao pesar a mão nas conexões com o universo Star Wars passa da originalidade para a cópia. Ainda assim as agruras dos aldeões comovem o espectador e os efeitos visuais são deslumbrantes e as criaturas fantásticas enriquecem os cenários. É inegavelmente deslumbrante na tela. Mas é impossível não admitir que Lucas já fez tudo isso com qualidade extrema. Rebel Monn tem muitas falhas a nublar sua suntuosidade visual.
Os personagens são inconsistentes. É flagrante no caso do General Titus que é encontrado bêbado e mendigando em uma rua e após ouvir algumas palavras de Kora nunca mais se toca em seus vícios. A motivação dos personagens para aceitar uma empreitada suicida é pouco convincente. Nemesis parece seguir o grupo sem ao menos precisar saber do que se trata. A trilha sonora é preguiçosa e funciona por algum tempo até se tornar repetitiva e enfadonha, como o slow motion empesteando o filme do começo ao fim. A história central dos agricultores contra os exploradores perde fôlego no terceiro ato e um ponto de virada faz a trama tomar outro rumo explodindo em uma batalha derivada de uma traição dentro do próprio grupo. Funciona apenas para eletrizar o ato final e deixar o desenvolvimento da trama inicial para o próximo filme. O elenco não consegue sustentar os personagens. A argelina Sofia Boutella nunca mantêm o tom da personagem Kora e cambaleia oscilante entre a mocinha de expressão sofrida ou a mocinha assustada ou a soldado durona capaz de provocar abalos na ordem do Mundo-Mãe. Não é coerente com o histórico da personagem e parece uma atriz errada para o papel. Ou a própria personagem é mal construída. Ed Skrein também não parece ser o ator certo para o antagonista Atticus Noble. O personagem se encaixa tão mal com o ator quanto o vilão de Eddy Redmayne em Jupiter Ascendig (2015) das irmãs Wachowski. Falta o elemento fundamental dos mocinhos de George Lucas. Aquela aura mágica de poder dos Jedi. Ou a aura de invencibilidade dos mocinhos de Kurosawa e Sturges. O extraordinário caracteriza esses personagens. Snyder ignora isso e derrapa. Rebel Moon apesar de vistoso e louvável como uma releitura original de um western clássico é cheio de escolhas duvidosas que prejudicam o filme.
Título original: Rebel Moon Part One: A Child Of Fire
Ano: 2023
Duração: 2h e 15min.
Direção: Zack Snyder
Roteiro: Zack Snyder, Shay Hatten e Kurt Johnstad
Elenco principal: Sofia Boutella, Michiel Huisman, Djmon Honsou, Ed Skrein e Charlie Hunnan
Origem: EUA