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26/03/2024

O despertar da sexualidade e sua repressão é o tema deste delicado filme ambientado nas pantanosas terras argentinas

Uma parceria entre Brasil e Argentina resultou neste belo longa-metragem contando uma história de amor com seus encontros e desencontros entre dois homens argentinos. Embora seja importante falar sobre as violências historicamente sofridas pela população LGBT+, este não é um filme interessado especificamente na homofobia. A ênfase está no despertar de sexualidades dissidentes na infância e nas possibilidades de satisfação com um amor gay na vida adulta.

Eduardo Barbosa ▪ 26 mar 2024


Matias (Ignacio Rogers) e Jerónimo (Esteban Masturini) viveram a infância em uma região argentina campeira rica em lagoas e vegetação nativa, os esteros. A família dos meninos eram amigas e, consequentemente, eles também criaram fortes laços afetivos. A amizade entre os dois culminou em uma paixão de infância para ambos. A direção do argentino Papu Curotto e o roteiro de Andi Nachon são cuidadosas. Há descobertas da sexualidade e desejo homoafetivo sendo experimentados pelos dois, mas as cenas são delicadamente construídas sem explorações desnecessárias. Quando os pais de Matias aceitam uma proposta de trabalho longe dos esteros, inevitavelmente, a relação entre os dois acaba.

Eles seguiram caminhos distintos. Matias virou biólogo e tem um relacionamento morno com Rochi, uma brasileira. Jerónimo tornou-se maquiador de cinema e trabalha como artesão e está bem confortável com sua homossexualidade. O filme tenta mostrar na lida de cada um deles com a própria sexualidade enquanto adultos os reflexos da presença ou ausência de repressões vividas na infância. Matias parece perdido, entristecido e pouco a vontade com a namorada. Enquanto um teve pais acolhedores o outro precisou se adequar à uma família mais repressiva. Um acolhe a própria homossexualidade e a vive naturalmente. O outro a reprime. O roteiro explora as origens do sofrimento de Matias de forma econômica em alguns olhares do pai ou em diálogos, mas não se prende muito nesse caminho, prefere explorar fartamente a relação amorosa e compreensiva entre Jerónimo e seus genitores.

A vida dos rapazes vai correndo entre amores mornos e relações efêmeras até o reencontro. Matias tenta aparentar indiferença. Jerónimo deixa o afeto nascido anos atrás retornar. A montagem mistura as duas fases. A formação dos sentimentos de um pelo outro na infância fragmenta-se em diversas cenas ao longo do filme e se intercala com cenas da vida adulta. Essa estrutura funciona bem e está firmemente ancorada nas fotografias de um passado distante espalhadas pelos ambientes das casas de Jerónimo. Isso produz uma boa dinâmica ao gerar registros da infância a partir da história dos retratos e não de flashbacks.

Matias não guardou nenhuma dessas fotografias nas quais os dois aparecem juntos. E jamais contou à namorada sobre seu melhor amigo de infância. É como se ele tivesse tentado apagar suas memórias sobre Jerónimo. O reprimido não é o alvo da paixão, é o desejo homossexual. Os retratos denunciam a existência de um afeto interditado. Quando se rompem as barreiras da repressão não há como Matias resistir àquela presença materializando o vivido na infância. Apesar das tentativas de esquecimento o passado se atualiza no presente. Entre conversas e rememorações o afeto transborda aos poucos. Jerónimo está aberto para revivê-lo. Matias hesita e sofre. Se vê em uma encruzilhada. Ou escolhe aquele com quem pode viver um relacionamento satisfatório fruto de uma paixão recíproca ou aceita uma proposta de emprego e vai viver com Rochi em um casamento sem muito afeto.

É uma história bonita, cheia de centelhas de esperança para o homem gay.  Ignacio Rogers faz um trabalho competente com seu Matias adulto. O espectador consegue sentir o tempo todo a angústia do protagonista. Esteban Masturini constrói um Jerónimo tão carismático e afável que sua dor com a iminência de outra perda é quase palpável na tela. Os cenários argentinos exuberantes ajudam a narrar a história. Funciona como metáfora. Os esteros e o amor gay ainda são muito semelhantes. Ambos só podem vicejar lá longe, às escondidas, às margens da sociedade, porque parecem muito selvagens. Enquanto houver preconceito a margem é o abrigo.




Esteros

Ano: 2016
Duração: 1h 28 min.
Direção: Papu Curotto
Roteiro: Andi Nachon
Elenco principal: Ignacio Rogers, Esteban Masturini, Joaquín Parada
Blaz Finardi Diz, Renata Calmon
Origem: Argentina, Brasil