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15/03/2024

O filme de Denis Villeneuve enche os olhos e inunda os ouvidos, mas cansa ao concentrar a maior parte da ação em sua última hora

Após sua Casa ser eliminada na primeira parte da saga, Paul Atreides retorna com sede de vingança e parte em uma jornada de libertação dos Fremen do jugo do Imperador em Duna: Parte Dois. Villeneuve e Hans Zimmer produzem o espetáculo cinematográfico do ano com um filme tecnicamente impecável, com visual e trilha estonteantes.

Eduardo Barbosa ▪ 15 mar 2024


No universo de Duna, a humanidade tomou conta da galáxia. Há os Harkonnen que governam pela brutalidade e violência. Os Corrino, manipuladores e conspiracionistas. Os Fenring, astutos e influentes. As Bene Gesserit, uma irmandade feminina de religiosas manipuladoras e espiãs. Os Atreides que são líderes políticos natos. Os Fremen, um povo nativo do árido planeta Arrakis. Enquanto esses últimos são só um povo de Arrakis, os outros são chamados de Casas. Acima de todos esses povos há o Imperador, aquele que governa o universo. É um sistema no qual todos estão submetidos ao poder do Imperador. Em resumo, enquanto uns lutam pela vida, outros ditam as leis regentes da vida no universo.

Os Fremen, simples arrakianos a lutar pelo direito à vida, são centrais em Duna. Arrakis é o único local do universo onde há a Especiaria, um resíduo produzido pelos vermes da areia. A especiaria aumenta a percepção humana, habilita a clarividência, é uma fonte de poder, o alimento das Bene Gesserit. Por isso, dominar Arrakis e subjugar seus habitantes naturais é importante para o Imperador. Controlar os Fremen equivale a controlar o acesso à especiaria e ao poder advindo dela.

No primeiro filme, os Atreides, também chamados de Casa Atreides, foram designados para governar Arrakis. Mas tratava-se de uma conspiração entre o Imperador e uma outra Casa, motivada por um temor de que os Atreides crescessem politicamente e se tornassem uma ameaça ao governo central. O objetivo era eliminar todos os Atreides. Mas um dos herdeiros da Casa sobreviveu. Como os Fremen precisam lutar constantemente pela própria sobrevivência, restou a Paul Astreides (Timotheé Chalamet) e sua mãe (poupada por ser uma Bene Gesserit) se aliarem a esse povo contra o Imperador e as Casas que o apoiam. O segundo filme narra a vingança do último Astreide sobre os algozes de sua Casa.

Paul é rejeitado entre os Fremen por ser um nobre. Não é um deles. Logo, não é bem-vindo em seus círculos. Mas há uma profecia sobre um escolhido que irá guiar esse povo para a liberdade e a mãe de Paul (Rebecca Ferguson) age para convencê-los de que o filho é o messias. Paul vai de rejeitado a reverenciado graças ao poder de manipulação da mãe. E no processo de reerguer a Casa Atreides, tornar-se o predestinado é só um meio para atingir um outro fim. Mãe e filho manipulam os Fremen. A fé do povo é crucial para a empreitada e a substância do verme da areia é o combustível principal que faz de Paul um messias.

É curioso como Duna desenha os seus "perigosos fundamentalistas religiosos" da história. Eles se parecem com os praticantes de religiões do Oriente médio. Como se não houvessem fundamentalistas religiosos em religiões ocidentais. O roteiro escrito por Villeneuve e Jon Spaihts fecha os olhos para as religiões contemporâneas cheias de discursos de paz e com históricos de violência. A inquisição e suas fogueiras, a praga de pedofilia nos templos católicos, médiuns que se revelam abusadores sexuais em série em templos espíritas. Nada disso serve como inspiração para criar os fundamentalistas de Duna. Eles preferem olhar para o que o Ocidente chama de religião de terrorista. Isso não aparece apenas entre os Fremen fanáticos. Está na estética das Bene Gesserit com suas vestes idênticas às burcas. O perigoso é sempre um outro para os ocidentais, nunca ele mesmo.

O roteiro também derrapa ao inserir na trama um romance entre Paul e Chani (Zendaya). A relação surge rápida demais em um filme com quase três horas de duração. E acontece como em um daqueles romances baratos de banca de jornal. A mocinha detesta o mocinho, mas logo se apaixona por ele. Os dois se declaram, fazem juras de amor com diálogos piegas, mas não podem ficar juntos. O espectador já viu isso em uma centena de filmes românticos e melhor trabalhado. Villeneuve sabe que tem um clichê em mãos e passa rapidamente pela construção do romance, como se quisesse se livrar logo daquilo.

O elenco todo estelar tem algumas atuações que se destacam. Austin Butler magnetiza interpretando o violento Feyd-Rautha. O ator de Elvis (2022) exibe um domínio absoluto de cena em Duna. É um trabalho robusto, alguns níveis acima do intérprete do protagonista, fica muito evidente. Já o visual do filme é todo impecável. Villeneuve sabe como fazer de Duna um deleite para os olhos. As cenas de batalha, as viagens dos Fremens pelo deserto, tudo é opulento, grandioso. A trilha sonora do Hans Zimmer acompanha essa opulência. É cheia de graves potentes, estrategicamente espalhados pelo filme. Estes dois elementos na tela e nos auto-falantes do cinema fazem do longa-metragem uma ótima experiência.

Mas apesar de ser bonito na tela, ter atuações memoráveis, uma trilha impecável e elenco de estrelas, Duna - Parte 2 não tem uma história com singularidade suficiente para criar uma marca própria e tornar-se um clássico da ficção científica. Villeneuve aposta mais na estética e na técnica e dispensa inovações em relação à trama. O espectador pode ter a sensação de que não há muita novidade na história. O povo oprimido sendo salvo por um estrangeiro é comum no cinema, aparece do faroeste aos filmes de super-heróis. Nem o ambiente inóspito e selvagem de Arrakis resiste após a primeira parte. Onde há a espécie humana há subjugação dos não-humanos. Os ameaçadores vermes de areia viraram meio de transporte. A natureza dominada e subjugada, como humanos a preferem. Já o mocinho se deslumbrando com um poder incontrolável já foi visto na franquia Star Wars, por exemplo. Além disso, o filme finca demais os pés nas maquinações políticas e só se eletriza já próximo do final. Ganha outro ritmo no terceiro ato, mas cansa até chegar lá.





Duna Parte Dois

Título original: Dune Part Two
Ano: 2024
Duração: 2h 46min.
Direção: Denis Villeneuve
Roteiro: Denni Villeneuve e Jon Spaihts
Elenco principal: Timotheé Chalamet, Zendaya, Rebecca Ferguson, Javier Bardem, Josh Brolin, Austin Butler, Florence Pugh, Dave Bautista, Christopher Walken, Léa Seadoux, Stellan Skarsgard e Charlotte Rampling
Origem: USA