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26/12/2023

Beau tem medo

Eduardo Barbosa ▪ 26 dez 2023



Ari Aster reclamou da recepção fria de Beau tem medo. O filme produzido pela queridinha dos críticos, a A24, custou cerca de 35 milhões de dólares e arrecadou cerca de 11 milhões. Ou seja, um grande fracasso de bilheteria. A rejeição do público não é pela incompreensão dos easter eggs espalhados pelo longa-metragem, como supôs Aster. É porque o roteiro não consegue sustentar a história de Beau para além dos primeiros quinze ou vinte minutos. Sua jornada começa e se desenvolve e acaba nesses primeiros momentos de projeção. O restante é um amontoado de situações bizarras e simbolismos que escalam de grau e velocidade sem permitir tempos de respiro para o espectador. Aster teve uma sequencia de êxitos na carreira. Hereditário (2018) teve um orçamento de 10 milhões de dólares e faturou cerca de 80 milhões em bilheteria. Midsommar (2019) foi produzido com 9 milhões e arrecadou quase 50 milhões. São filmes com bons números e causaram boa impressão entre os críticos. Não houve o mesmo entusiasmo com o longa-metragem de 2023.

Um homem solitário se prepara para visitar a mãe. Ele não quer fazer a viagem, mas se obriga. Beau tem uma forma muito particular de ver o mundo lá fora. Às vezes ela limita suas ações, principalmente neste momento de retorno à Mãe. O psiquiatra receita uma nova medicação. Chega o dia da viagem e Beau está pronto. No entanto, lhe roubam as chaves da porta de casa e a mala quando ele está saindo para o aeroporto. E agora? Ele pega o avião ou chama um chaveiro? Até este ponto do filme o espectador pode supor estar diante de uma história sobre as fantasias de um homem fóbico versus a realidade do mundo exterior. Essa impressão acaba se desmanchando completamente.

Destrinchar a estrutura do pensamento paranoico é uma coisa inegavelmente bem feita no roteiro. Beau tem algum problema com a mãe e seu pai parece ter morrido durante o ato sexual no qual ele foi gestado. A mãe conta a Beau que seu pai tinha uma condição de saúde na qual era proibido experimentar um orgasmo. E ele herdou a doença paterna. Não pode ter relações sexuais. São cenas importantes sobre a origem das suas fobias. No entanto, é impossível saber se isto é um fato de sua biografia ou se é imaginação. O início do filme deixa claro a incapacidade de Beau de contrariar a Mãe. Em sua mente, ela exerce um controle quase absoluto sobre sua vida, uma autocracia materna. Ela tem acesso até ao que Beau e seu psiquiatra conversam no consultório. O personagem foi castrado pela morte do pai e pela autoridade que ele criou para a mãe. Uma castração a barrar o gozo de mundo. Tudo fora da porta de casa é maléfico. Tudo lá fora o destruirá. O exterior é um orgasmo a ser evitado. A Mãe é a materialização do seu superego, a acusadora, a julgadora, a que pune.

Beau, enquanto sujeito paranoico, constrói para si um cotidiano permeado de hipóteses absurdas para cada uma de suas ações mais banais do cotidiano. É o absurdo que estrutura seu pensamento e opera a partir de uma leitura de mundo que não faz distinção entre o que é imaginação e o que é fato. Ele se organiza a partir dessas suas criações mentais. As experiências traumáticas infantis parece ser o substrato no qual se originam estas hipóteses fantasiosas sobre o mundo lá fora. As ruas estão cheias de corpos. Há um esfaqueador solto na cidade. Os moradores de rua e os delinquentes podem invadir sua casa. O psiquiatra pode gravar suas conversas. Seu pai pode ser um pênis monstruoso e gigantesco escondido no porão. Este último ponto é bastante interessante. O seu próprio pênis é um monstro, apto para o prazer, mas proibido ao toque. Já o pênis no porão simboliza um pai essencialmente fálico que aterrorizou a mãe. Ela o mostra para explicar sua origem. Esse homem foi só um pênis monstruoso agora vivendo escondido num porão. Isto é, Beau foi fruto de uma violência sexual que a mãe tenta afastar para os longínquos da memória.

Ari Aster não se preocupa com realidades que não sejam aquelas derivadas do pensamento paranoico do protagonista para narrar as agruras do personagem. As cenas sempre ficam sempre presas à perspectiva de Beau. É um filme em primeira e nenhum narrador em primeira pessoa é confiável. Então é impossível distinguir as fantasias da realidade. Os seus efeitos são reais e é isso que importa na trama. Mas as tantas aventuras pelas quais Beau passa em seu épico de paranóias não são capazes de gerar uma boa história. É metafórico demais. Uma coleção de simbolismos. Sobram peças do retrato psíquico e faltam elementos básicos de construção do personagem. Ele é apenas um homem paranoico. Qual é a sua profissão? Ele tem alguma? Com o que trabalha? Quem o sustenta? Não é possível afirmar que Beau se encontra com a mãe no ato final. Aquilo é fantasia ou realidade? A história parece girar toda em torno do encontro real que se desenvolveu e acabou lá no primeiro ato. O roteiro aposta no detalhamento da experiência do pensamento paranoico sem um enredo que ofereça sentido para além das entrelinhas. É um filme de subcamadas que pode ser um ótimo material para estudantes de psicanálise, já como um entretenimento de três horas de duração não vale a pena.



Beau Tem Medo

Título original:
Beau Is Afraid
Duração: 2h 59min
Direção e roteiro: Ari Aster
Elenco principal: Joaquin Phoenix, Patti LuPone e Parkey Rose
Origem: EUA