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31/10/2023

Assassinos Da Lua Das Flores: a morte Osage como espetáculo

Eduardo Barbosa ▪ 31 out 2023


Durante o processo de colonização das terras norte-americanas os Osages foram deslocados de suas terras originárias para um território infértil na Oklahoma de 1870. No entanto, essas terras de aparente baixo valor comercial possuíam reservas de petróleo. A descoberta em 1920 do ouro negro transformou os Osages em super-ricos. Se cobriram com os símbolos de uma riqueza cobiçada pelos brancos. A prosperidade dessas terras gerou uma espécie de guerra dos brancos contra esse povo para tomar-lhes a fonte de tamanha fortuna.

Uma obra de ficção sobre genocídio de povos originários baseada em uma história real. É esse o mote utilizado por Scorcese para construir Assassinos da lua das flores. O filme é organizado a partir de uma mistura de elementos que vão do documentário ao formato de rádio novela. Durante as três horas e meia de duração saltam fotografias, vídeos e leituras daquilo que foi um genocídio indígena operado pela mente de um único homem nos anos vinte nos Estados Unidos. Mas prendendo-se demais ao relato jornalístico registrado por David Grann no livro homônimo, Scorcese produz uma versão cinematográfica daqueles programas policiais sensacionalistas que espetacularizam mortes e atos criminosos. Ele procura corpos, esquadrinha defuntos e não consegue se livrar da atração pelo assassino.

Para um filme com a intenção de trazer fatos históricos à tona para colocar os povos originários como figuras centrais, o caminho traçado pelo roteiro de Eric Roth e do próprio Scorcese toma a direção errada. O filme oferece, sempre que pode, um discurso de manifesto contra o apagamento da história dos Osages. Mas nunca consegue estabelecer os Osages como protagonistas. As primeiras cenas do longa-metragem apresentam a chegada de Ernest Burckhurt, interpretado por Dicaprio, na região, onde o tio comanda uma fazenda. É a partir de sua perspectiva que o espectador conhece os Osages. Uma análise do pôster, com a imagem do rosto do ator tomando a maior parte do cartaz deixa claro a intenção de fazer de Burkhart o personagem central. E Scorcese persegue este objetivo até as últimas consequências.

Ernest Burckhart assalta e rouba joias dos Osages para noites de carteados. Executa os planos do tio, interpretado por Robert De Niro, para assassinar indígenas. Envenena a própria esposa para ter para si as terras da família. Scorcese teima em construir para ele uma imagem de homem manipulado. Burkhart aparece sofrendo após cada assassinato e segue na execução dos planos, como se não tivesse outra escolha. Não há elementos suficientes na construção do personagem que ateste de forma clara seu arrependimento ou sua falsidade. Logo, a atuação de DiCaprio nessas cenas soa exagerada e não convence sobre o sofrimento de seu personagem. Ao centralizar o foco nas contradições pouco convincentes de Burckhart e na atuação desequilibrada de Dicaprio quem fica em segundo plano é aquela que poderia ser a personagem principal, Mollie. 

Mollie parece um retorno de Scorcese ao universo de Silence (2016).  É um Jesus Cristo oferecendo a outra face enquanto vê todos os seus familiares assassinados violentamente e até quando é envenenada pelo próprio companheiro. O roteiro não consegue fixar Mollie como relevante dentro das batalhas pela sobrevivência dos Osages. É ela quem opera uma contra-ofensiva. É por ela que o governo resolve enviar o FBI para a comunidade. Mas o roteiro dá pouca cena e importância a isso. A interpretação de Lily Gladstone é contida, como se estivesse obrigada a dar todo o palco, ou a outra face, para os exageros de DiCaprio.

Apesar da duração do filme, o roteiro não só não consegue calibrar o tom das contradições de Ernest Burckhart como também pena na construção de William King Hale, o tio de Burckhart. Hale é um personagem plano, puramente ganancioso e mal ao extremo e isso é toda a sua composição. É tão pouco desenvolvido que o espectador pode facilmente esquecer de sua família com quem ele divide sua casa e sua vida e só se dar conta disso no final do filme. São apenas as maldades de Hale que interessa aos roteiristas.

O flerte com o puro espetáculo castiga o filme do começo ao fim. O pior deles é quando Scorcese resolve mostrar uma lista de mortes durante as primeiras cenas. É um momento no qual a lista parece jogada dentro do roteiro apenas para causar choque. Mas esse é só o começo de uma série de outras cenas que exploram até a última gota do sangue Osage. Para um filme pretensamente político é mais um CSI (2000) do que uma obra contra o apagamento das histórias indígenas. De modo geral, ao explorar o fascínio sobre os assassinos e não a luta Osage contra os assassinos, Scorcese faz da morte um produto. Faz da tela uma gôndola na qual expõe meticulosamente a morte Osage.

A partir da história dos Osages, havia três caminhos possíveis para um roteiro: a resistência Osage, a criação do FBI, e os crimes dos Burckhart. Scorcese ignora o primeiro. O resultado é um drama histórico lento sobre criminosos, com atuações mornas, sem cenas de ação, mas com uma dezena de corpos osages. Para muitos povos originários com os quais antropólogos mantêm laços etnográficos, é inconcebível manter qualquer registro ou objeto pessoal de um morto da comunidade. Tudo precisa ser queimado para seguir com o morto para outros lugares. Portanto, Assassinos da lua das flores prova sua ignorância antropológica ao fixar a imagem da morte nos olhos do espectador. O homem branco é ao fim e ao cabo sempre o mesmo, faz mercadoria de tudo, até da morte indígena.



Assassinos Da Lua Das Flores

Título original: Killers Of The Flower Monn
Ano: 2023
Duração: 3h 26min
Direção: Martin Scorcese
Roteiro: Martin Scorcese e Eric Roth
Elenco principal: Leonardo DiCaprio, Robert de Niro, Lily Gladstone e Jesse Plemons
Origem: EUA