Poucos dramas de tribunal conseguem ser tão intrigantes como este filme de Justine Triet. O roteiro, assinado por Arthur Harari e pela diretora, nunca entrega respostas fáceis para o espectador elucidar o caso. As perguntas se acumulam. Não sabemos em quem acreditar. Só nos resta seguir as evidências apresentadas pela defesa e pela acusação. É engenhoso e funciona.
Eduardo Barbosa ▪ 10 mar 2024
Uma dezena de perguntas inundam o espectador. Por que Sandra não subiu e pediu que ele abaixasse o volume? Quem é este homem? É um marido violento? Nada disso é respondido de pronto. A moça vai embora. O filho do casal, um menino com problemas de visão, sai para passear com o cachorro. O espectador passeia com ele pelos arredores do chalé. Enquanto a música continua na casa. Ele retorna algum tempo depois. O som ainda está ligado. Samuel aparece pela primeira vez na tela. Está morto sobre a neve que cobre o chão sob a janela do sótão. Ninguém sabe o que aconteceu. Dentro ou fora da tela.
Durante as investigações surgem três hipóteses. A acusação aposta em assassinato cometido pela esposa. Sandra diz que só pode ter sido uma queda acidental. O filho diz ter ouvido uma discussão amigável quando estava lá fora com o cão, mas se atrapalha na reconstrução da cena. Como ouviria uma conversa amigável de longe se o som estava tão alto? O advogado de defesa acredita na cliente, mas prefere construir uma tese sobre suicídio. O drama de tribunal ganha musculosidade a partir desse ponto. Nas evidências apresentadas pela acusação está a forma de Justine Triet contar a história do casal. Segredos da sexualidade da escritora emergem. Brigas domésticas violentas aparecem em gravações do computador de Samuel. Ela parece a responsável pela queda. O promotor de justiça consegue abalar as certezas do filho sobre a inocência da mãe. Tudo leva a crer que ela jogou o homem janela abaixo no dia da entrevista. Mas a tese sobre suicídio ganha novas evidências.
Sandra mente algumas vezes. O advogado tem um caso com ela. O menino não se mostra uma testemunha confiável. A acusação usa até os romances de autoficção escritos pela acusada como prova do crime de assassinato. E quando o filme se encaminha para o final, tudo que queremos saber é o que aconteceu naquele sótão. Mas Triet dá de ombros. Não há retorno para a cena central disparadora do incidente incitante. O ponto central é convidar-nos a refletir sobre como uma mulher que ascendeu profissionalmente ameaça a frágil estrutura que organiza o masculino. Quando os créditos sobem na tela a história continua rodando em nossa mente. O filme monta um corpo de jurados com o espectador. É nisso que reside sua excelência como drama de tribunal, pois uma das características do tribunal do júri é sua composição feita com pessoas comuns e não especialistas em aplicação das leis. A partir das peças de acusação e defesa, quem te convence mais? O promotor ou o advogado de Sandra? Triet não bate o martelo, a sentença quem dá é você.
Anatomia De Uma Queda
Ano: 2023
Duração: 2h 32min.
Direção: Justine Triet
Roteiro: Artur Harari, Justine Triet
Elenco: Sandra Huller, Swann Arlaud, Milo Machado Graner
Origem: França